Não há muito tempo, saiu o filme "As memórias de uma Gueixa" baseado no romance de Arthur Golden. Foi um filme vencedor de alguns oscars, e mesmo com as suas falhas em alguns aspectos, é um bom filme. No entanto, com a divulgação deste, surgiram variados preconceitos do que é uma Gueixa, envolvendo na sua maioria a ideia de que uma Gueixa é uma prostituta de luxo. Aqui fica o esclarecimento final.
O que é uma gueixa?
Uma gueixa é uma mulher treinada nas artes da música, da dança e do entretenimento. Gueixa em japonês (Geisha) significa "pessoa que vive das artes". Ela passa anos aprendendo a tocar diversos instrumentos musicais, dançar e ser a anfitriã perfeita e confidente de seus hóspedes.
A maquiagem, o cabelo, o vestuário e os modos de uma gueixa são calculados para satisfazer a fantasia masculina da perfeição feminina: elas fazem com que os homens se sintam atraentes e importantes. E eles pagam muito caro para ter uma gueixa atendendo a todos os seus caprichos.
Muitos ocidentais confundem gueixas com prostitutas de luxo. Quem entende a complexidade da cultura japonesa explica que uma gueixa não é uma prostituta. Uma verdadeira gueixa é bem sucedida porque reflete a idéia de uma perfeição inatingível. Quando os homens contratam gueixas para animar uma festa, o assunto sexo normalmente não está relacionado. A gueixa entretém por intermédio de canto, música, dança, relato de histórias, atenção e flerte. Ela pode conversar sobre política com a mesma desenvoltura com que explica as regras de um jogo. Em uma época em que as esposas japonesas eram excluídas da vida pública, as gueixas eram as mulheres que podiam exercer o papel de anfitriã em uma reunião de negócios.
Por volta do século 18, surgiram as primeiras gueixas femininas. Há muitas histórias sobre as origens dessas mulheres. Uma delas relata um grupo de artistas que tirava o trabalho de prostitutas cantando e dançando em festas. Outra conta que havia uma prostituta entrando em decadência e que, em conseqüência disso, começou a desenvolver o trabalho de gueixa para ganhar um pouco mais e acabou sendo um sucesso na nova atividade. Independente de como surgiram as gueixas femininas, elas eram consideradas uma ameaça para os bordéis e não eram contratadas por estabelecimentos deste tipo.
Para diminuir a popularidade das gueixas e retornar o foco para as prostitutas registradas, o governo estabeleceu regras bastante rígidas para as gueixas: a maneira como deviam entreter, quando poderiam entreter e as horas durante as quais poderiam trabalhar. Além disso também determinaram regras com relação ao seu vestuário. E para se certificarem de que sexo não faria parte da festa, as gueixas não podiam ser contratadas individualmente. Mas essas restrições, ao invés de reduzir o sucesso das gueixas, tornaram-nas ainda mais desejadas.
À medida que o tempo passava, em especial durante os tempos de recessão no Japão, o sucesso das gueixas fez com que os pais com baixa renda vendessem suas filhas para uma casa de gueixas (chamadas de okiya). Essas meninas eram treinadas desde os cinco ou seis anos para se tornarem gueixas bem sucedidas e ressarcirem à okiya o custo do treinamento. Atualmente, jovens escolhem ser gueixas da mesma forma como escolhem ser médicas. Elas normalmente começam o rigoroso treinamento depois do ensino fundamental. Mas, apenas as mais dedicadas chegam ao status de gueixa.
O treinamento para ser uma gueixa leva o mesmo tempo que para ser uma médica. Normalmente, uma jovem passa anos estudando as artes da música e da dança, a preparação da cerimônia do chá, o domínio de diversas línguas e como ser uma anfitriã perfeita. Nesse período e, às vezes, durante sua carreira como gueixa, ela vive em uma okiya, que funciona como um alojamento para gueixas e aspirantes à gueixa. Grande parte da vida da gueixa se passa na okiya. As mulheres na okiya são sua família e a okasan administra sua carreira. A gueixa paga uma percentagem de seus ganhos para manter a casa e dar suporte às pessoas que vivem lá e não trabalham como gueixas (como as aprendizes, as gueixas aposentadas e as empregadas).
Elas estudam arte em um kaburenjo, ou seja, em uma escola de treinamento. O local pode também ter um teatro onde as gueixas fazem suas raras apresentações. Durante seus estudos, elas aprendem como tocar o shamisen, um instrumento de três cordas tocado com uma peça triangular grande (bachi), algo semelhante a uma grande palheta. Elas também podem aprender a tocar outros instrumentos japoneses tradicionais como o shimedaiko, um pequeno tambor, o koto , uma espécie de cítara e o fue , um tipo de flauta. As gueixas tocam o shamisen em festas e apresentações. Essas apresentações podem ser apenas instrumentais ou podem ter outra gueixa cantando para acompanhar o instrumento.
Os instrumentos musicais são apenas um aspecto do repertório artístico de uma gueixa. Ela estuda canto, dança tradicional japonesa (nihon-buyoh) e a preparação da cerimônia do chá (sadoh), habilidades que usará quando for trabalhar. Também aprende a fazer arranjos de flores (ikebana) e caligrafia (shodoh). Uma gueixa pode ser especialista em apenas uma formação artística, como canto ou dança, mas precisa ter proficiência em todas elas.
Uma jovem passa anos estudando não apenas para se tornar uma artista, mas também para conduzir-se com graça. Aprende a maneira correta de falar com o sotaque do bairro onde trabalha, a andar com um longo kimono sem tropeçar nele e a servir saquê sem molhar a manga de seu traje. Em um grupo, ela aprende a quem deve cumprimentar primeiro e como prestar reverência ao cumprimentar cada pessoa. Desenvolve a habilidade de flertar com homens tímidos, arrogantes ou desinteressantes com a mesma desenvoltura. Esses aspectos menos formais de seu treinamento ocorrem quando ela é uma maiko, uma aprendiz de gueixa. O período como aprendiz começa quando uma jovem encontra uma onesan ("irmã mais velha"), uma gueixa formada que será sua mentora. A cerimônia que estabelece o elo entre elas é a mesma que faz o "casamento" da gueixa e seu danna: cada uma toma três goles de três copos de saquê. Nessa transição para o status de maiko, a jovem recebe um outro nome que será seu "nome de gueixa". Esse nome é derivado do nome de uma onesan.
Uma aprendiz passa vários anos estudando o comportamento de sua mentora para aprender as habilidades que não se adquire em sala de aula. Sua onesan a leva para festas em que ela não irá entreter: apenas vai permanecer quieta e observar, aprendendo como uma gueixa interage com homens e como elas usam sua astúcia, atenção e sedução para manter todos animados. Todavia, sua presença em uma festa não é apenas uma experiência de aprendizado. O trabalho de uma irmã mais velha é introduzir uma maiko na sociedade, tornando-a conhecida. Dessa forma, uma maiko faz sua estréia como gueixa: ela já estabeleceu relações com os clientes e com as casas de chá que serão seu mundo.
A cerimônia que marca a transição de maiko para gueixa é chamada eriage, que significa "mudança de colarinho". Nesse momento, a maiko troca seu colarinho estampado vermelho pelo totalmente branco, símbolo de sua estréia como gueixa. Agora ela pode começar a entreter oficialmente
A principal atividade de uma gueixa é ser uma anfitriã. Todas as suas habilidades são para se certificar de que uma festa será um verdadeiro sucesso e de que todos se divertirão. Normalmente, uma boa parte do trabalho de uma gueixa envolve festas de empresários que querem fazer negócios e se distrair ao mesmo tempo. Um homem contrata esse tipo de serviço para mostrar seu poder, para impressionar as pessoas, mostrar como é rico, culto e bem relacionado, uma vez que as festas conduzidas pelas gueixas são exclusivas e caras (pode custar de US$ 200 a US$ 300 por convidado durante as duas horas que elas estão presentes). O que acontece em uma festa dessas é confidencial: uma gueixa não fala sobre seus clientes. Em uma cultura conhecida pela reserva e pelo excesso de trabalho, uma festa de gueixas é um lugar onde os homens podem falar alto, ficar bêbados e ter flertes sem consequência.
Os bairros de gueixas mais populares no Japão (Hanamachi, ou "cidade das flores") estão localizados em Kyoto e Tóquio. As casas de chá (o-chaya), estalagens (ryokan) e restaurantes (ryotei) onde as gueixas trabalham, estão concentrados nessas áreas.
Uma gueixa nunca faz refeições com seus clientes quando está trabalhando. Ela deve se movimentar o tempo todo, fazendo com que seu convidado se sinta à vontade, conhecer o assunto perfeito para abordar quando a conversa estiver ficando monótona e ter os olhos em cada copo de saquê a fim de que nenhum esteja vazio. Pode ser chamada para apresentar uma dança, cantar uma música ou acompanhar outra gueixa com o shamisen. Se dois homens começam a discutir, ela deve apartar a situação, de preferência sem que ninguém perceba. Uma festa não é uma experiência relaxante para uma gueixa. É o seu lugar de trabalho.
Além do pagamento do escritório pelo tempo de trabalho da gueixa, ela recebe generosas gorjetas dos clientes. A maior parte do dinheiro que ganha vai para a okiya. Mas isso também serve para manter a maquiagem apropriada, o kimono caro e os penteados cuidadosos pelos quais ela é conhecida. Sua imagem é uma de suas maiores preocupações: ela é uma obra de arte viva.
Vestindo-se como uma gueixa
Para uma gueixa ficar pronta para trabalhar, são necessárias muitas horas de preparação. Sua aparência diferente é parte de sua sedução, mas não é apenas uma questão de beleza ou exclusividade. É também uma maneira de estabelecer a diferença entre uma maiko e uma gueixa e entre uma gueixa jovem e uma gueixa adulta. Uma gueixa pode revelar muito apenas pela aparência.
Diferente do kimono comum, o kimono de uma gueixa mostra sua nuca, considerada na cultura japonesa a parte mais sensual de uma mulher.
Um kimono pode custar milhares de dólares. Uma maiko usa um kimono que tem mangas enormes (que tocam o chão quando seus braços estão parados), é muito longo, colorido e totalmente adornado com bordados e desenhos pintados à mão. Seu colarinho é vermelho e o obi é longo e amplo. Ela calça tamancos de madeira chamados okobo para não deixar o kimono arrastar no chão. Aprender a andar nesse traje sem cair é parte do treinamento.
A maquiagem branca, marca registrada das gueixas, já foi composta de chumbo e por isso era considerada venenosa. Atualmente isso não causa dano algum porque, se uma maiko mantém a tradição de se maquiar, ela primeiro aplica óleo e uma camada de cera sobre o rosto. Isso faz com que a pele fique macia e forme uma base sobre a qual o pó consegue aderência. Ela passa o batom vermelho apenas no lábio inferior. Isso é sinal de que ela é uma aprendiz.
Antes de se transformar em uma aprendiz, a moça deixa seu cabelo ficar bem longo. Com isso, ela pode fazer os penteados elaborados de uma maiko. Ela usa pelo menos cinco estilos diferentes, cada um significando um diferente nível como aprendiz. Uma maiko iniciante usa um penteado chamado wareshinobu, com duas fitas vermelhas que indicam sua inocência. Uma maiko adulta usa um penteado chamado ofuku. Essa mudança era determinada pela mizu-age ou pela primeira experiência sexual da maiko. Agora indica apenas a passagem dos anos. A mudança ocorre quando a aprendiz faz 18 anos ou completa três anos de trabalho.
Semanalmente, a aprendiz de gueixa gasta horas com o cabelereiro para manter seu penteado. Quando vão dormir, recostam a cabeça em travesseiros especiais com uma cavidade no meio para que os penteados não se desfaçam.
Quando uma maiko torna-se uma gueixa, ela troca seu colarinho vermelho pelo branco e muda seu kimono de maiko para o de gueixa.
O kimono de uma gueixa é mais simples e mais fácil de lidar. Esse kimono tem mangas mais curtas e não é necessário que se use tamancos para evitar que arraste pelo chão. Uma gueixa calça zori, que são como sandálias havaianas, e um obi mais curto amarrado em um nó mais simples. Depois de trabalhar por vários anos, uma gueixa pode escolher usar uma maquiagem mais leve, em um "estilo mais ocidental", ao invés da maquiagem tradicional e pesada que usava no início de sua carreira. Uma gueixa usa variações do penteado shimada e perucas ao invés de arrumar seu próprio cabelo.
Os penteados complicados e os diferentes tipos de kimonos marcam estágios na carreira de uma gueixa. Antes havia distinções entre gueixas e prostitutas quando a prostituição era permitida no Japão. Se ambas estivessem em uma festa, era possível distingui-las pelo penteado, kimono e maquiagem.
A aparência, os modos e o trabalho de uma gueixa são direcionados para o entretenimento de homens, mas seu cotidiano gira em torno de mulheres.
Muito esclarecedor estou lendo o livro Memoriais de uma Gueixa muito rica em detalhes, parabéns.
ResponderExcluirAgradeço muito pelo seu comentário... Eu também li o Livro Memórias de uma Gueixa... por isso decidi esclarecer as duvidas que antes tive...
ResponderExcluirBoa leitura!
Buda vos guarde!